Perdi cinco lápis para o apontador elétrico hoje. Cinco lápis e todas as palavras e as cutículas de todos os dez dedos das mãos. Considerei a possibilidade de roer as dos pés, mas estou encurtada por conta das noites que passo encolhida no sofá assistindo temporadas inteiras de seriados americanos do século passado. Devo ter perdido uns dez quilos desde que você finalmente foi pro inferno como eu te pedi, com toda a minha notória delicadeza. Seu inferno não deve ser longe daqui. Penso nisso. Fico imaginando se há um delivery 24 hs perto do seu inferno. Se há um posto de gasolina que venda garrafinhas de Jack Daniel’s e revistinhas de sudoku. Se servem café em copos de papel com tampas de plástico para viagem e se há uma loja de filmes pirateados com legendas em português lusitano. Seu inferno não deve ser mais quente que o meu. Nem mais solitário, disso eu tenho quase certeza. A sensação de não pertencer deve ser a mesma. Sempre vai ser. Eu não vou ficar bancando a fodona, dizendo que eu me basto. Nem tô a fim de ficar alardeando qualidades pra ver se alguém me nota. Eu nem gosto muito de falar de mim e geralmente rezo pra que não me notem, você sabe. De sentimentos sim, às vezes eu gosto de falar; mas é que eles me atormentam, você sabe. Infelizmente não consigo ficar inventando amores pra mostrar. Pra tentar provocar inveja pela felicidade da qual eu nem usufruo. Amor, pra colocar nas pontas dos dedos, tem que ser pra valer. Amor de verdade, de doer. Tipo aquele nosso, que acaba escorrendo vermelho e quente de tão insuportável. Eu gosto mesmo é de falar sobre você. De como você me emocionou quando deu o meu número para ser usado em caso de emergência pela companhia aérea. De como fiquei secretamente feliz ao saber que você gravou a minha música. E que depois que eu dobrei a esquina, você perdeu o rumo e nem do vinho que comprou pra beber comigo conseguiu dar cabo. Isso sim me faz, não mais secretamente, satisfeita. Saber que você manca sem mim. Manca. Sem nenhuma elegância.
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