07.04.13


lembro de todo o tempo que ganhamos
abraçados contando aquelas estrelas que brilham no escuro
coladas no teto do quarto
ameaçados pelo que não viria
depois que calçássemos os sapatos
para tocarmos o chão
e desamarrássemos o abraço
para percorrermos sós
lugares onde não tocassem nossos discos favoritos
e os outros interrompessem
o nosso silêncio
e nos exigissem
nossos amarelados sorrisos
e a nossa atenção
dividida
se transformasse em agonia
em tensão
e que engrossassem os nós
dos nossos dedos
(e assim os seus
não embaraçassem mais
os meus cabelos)
lembro do tempo em que não temíamos a solidão
se estivéssemos a um dígito de distância
um tempo em que não conhecíamos
a insuportável verdade cotidiana
não nos repetíamos tanto
nem tão cheios de razão
um tempo passado
em que não nos questionávamos
não nos exigíamos mais do que se podia encontrar
bem no meio da retina
um tempo em que conquistar o mundo
era ir até a padaria
tropeçando nos buracos da calçada
por que não olhávamos tanto
para o chão

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Três disparos. É o que ela pensa quando ouve a campainha. Cabeça, esterno e púbis. Seria uma bela sequência. Retilínea. Ao invés da Beretta, no entanto, ela alcança a maçaneta. Abre a porta e sorri para ele. Cinco passos à esquerda. Ela se senta na velha a poltrona. “Não pensei que fosse te encontrar em casa”. O relógio pisca 4:48. Ela pensa em Sarah Kane: "Às 4:48 quando o desespero me visitar enforco-me ao som da respiração do meu amante." 
“Que horas são?” A perna direita chacoalha. “Eu conheço esse sintoma.” A perna para.'Não enche.' O relógio pisca 4:48. 'Umas seis da manhã.' O telefone dele toca. Ele desliga. O telefone dele toca. Ele finge que atende. “Caiu.” O telefone dele toca. 'Atende, porra!' Ele desliga o telefone. “Não achei que fosse te encontrar em casa.” 4:48. 4:48. 4:48. “E então?”  Baço, rim direito e olho esquerdo. Três facadas . É o que ela pensa. Ao invés disso oferece café. 'Quer um café?' Decepar o membro de que ele tanto se orgulha. É o que ela pensa enquanto passa o café.  “Encontrei o seu amigo... Como é que ele chama? Aquele baixinho de costeletas?” Despejar água fervendo dentro das calças dele. É o que ela pensa enquanto passa o café. 'Cê comeu?' Ele balança a cabeça afirmativamente. “Não tô com fome.” É, ele não deve estar com fome. É o que ela pensa enquanto estende a xícara de café.

Quando ele diz que está se sentindo mal, ela não pensa nada. Nem quando ele começa a estrebuchar e a espumar. Ela não pensa. Apenas se senta com sua xícara à uma distância segura e assiste. Ela sabe que vai ser rápido e não quer perder nenhum movimento. Quando ele para, ela volta para cozinha. Ela está com fome. Abre a geladeira. Vazia. Então ela pensa: Acho que vai caber.

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Depois da escolha,
Errada
Depois do tempo,
Perdido
Depois da queda,
Livres

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ela abriu a porta com o pé direito, enquanto prendia os cabelos num coque. ela tem cara de musa do cinema mudo. com aquela boca miudinha e aqueles olhões e tudo. ela usa sapatos scarpin. se pronuncia scarpã, ou algo assim. com eles pisoteia paixões calculadas. ela sempre faz isso. esta informação não me imuniza. ela me mostrou que seus pulsos cicatrizaram outra vez. ela prometeu que nunca mais se cortaria. disse que sua obra está acabada. entalhada na pele branca. assustadoramente branca. assustadoramente entalhada. singular em sua beleza maculada. (...) então nós homenageamos a vida que sempre resistirá apesar da nossa presença destrutiva. os dias que brotam determinados no leste. nossa insignificância e nossa pouca vontade. a absoluta ausência de sentido, inclusive para o nosso drama. deitamos garrafas, sopramos nossas cinzas da janela e especulamos que tudo poderia ser diferente. menos hoje.

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eram aqueles os dias. eram no passado. dias em que nos sentávamos sóbrios no acostamento. e assistíamos o sol se pôr atrás de placas de trânsito. e erguíamos a primeira lata, num brinde às nossas dúvidas. eram dias em que desistíamos de partir. em que resistir parecia ser uma atitude heróica. e nós preferíamos o erro e o chamávamos de resistência ou de atitude heróica. eram os últimos dias. em que fazíamos guerras de travesseiros e nunca nos dávamos por vencidos. éramos bravos e lutávamos por nossos amores e por um sorriso a mais contra a velhice. contra o cansaço. e a responsabilidade que acenava da janela do ônibus. eram no passado. dias quentes e calmos. dias em que fatiávamos o ar para abrir caminho. e podíamos beber e cantar ou gritar por que éramos miseravelmente felizes. naqueles dias, o silêncio dizia toda a angústia, entre uma xícara vazia e uma broa de milho, no café da manhã servido até às 9:30.

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Perdi cinco lápis para o apontador elétrico hoje. Cinco lápis e todas as palavras e as cutículas de todos os dez dedos das mãos. Considerei a possibilidade de roer as dos pés, mas estou encurtada por conta das noites que passo encolhida no sofá assistindo temporadas inteiras de seriados americanos do século passado. Devo ter perdido uns dez quilos desde que você finalmente foi pro inferno como eu te pedi, com toda a minha notória delicadeza. Seu inferno não deve ser longe daqui. Penso nisso. Fico imaginando se há um delivery 24 hs perto do seu inferno. Se há um posto de gasolina que venda garrafinhas de Jack Daniel’s e revistinhas de sudoku. Se servem café em copos de papel com tampas de plástico para viagem e se há uma loja de filmes pirateados com legendas em português lusitano. Seu inferno não deve ser mais quente que o meu. Nem mais solitário, disso eu tenho quase certeza. A sensação de não pertencer deve ser a mesma. Sempre vai ser. Eu não vou ficar bancando a fodona, dizendo que eu me basto. Nem tô a fim de ficar alardeando qualidades pra ver se alguém me nota. Eu nem gosto muito de falar de mim e geralmente rezo pra que não me notem, você sabe. De sentimentos sim, às vezes eu gosto de falar; mas é que eles me atormentam, você sabe. Infelizmente não consigo ficar inventando amores pra mostrar. Pra tentar provocar inveja pela felicidade da qual eu nem usufruo. Amor, pra colocar nas pontas dos dedos, tem que ser pra valer. Amor de verdade, de doer. Tipo aquele nosso, que acaba escorrendo vermelho e quente de tão insuportável. Eu gosto mesmo é de falar sobre você. De como você me emocionou quando deu o meu número para ser usado em caso de emergência pela companhia aérea. De como fiquei secretamente feliz ao saber que você gravou a minha música. E que depois que eu dobrei a esquina, você perdeu o rumo e nem do vinho que comprou pra beber comigo conseguiu dar cabo. Isso sim me faz, não mais secretamente, satisfeita. Saber que você manca sem mim. Manca. Sem nenhuma elegância. 

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atrás da porta
o menino que perdeu seus kichutes
abraça os joelhos e reza
pra tempestade passar

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pouco é possível enxergar
além da brasa de um cigarro
e a fumaça só faz aumentar
a neblina 
e os olhos molhados
atrás do velho ray-ban
palavras malditas,
bem ouvidas
bem bonitas, escritas
esquecidas em guarda-napos amassados
sobre mesas de bar
perdões concedidos muito antes
de pedidos tardiamente feitos
sim, por ela
mas não pelo tempo
implacável
como palavras mal ditas
e uma úlcera incurável
que se materializou onde antes só existia o simples
bom e velho vazio inexplicável
atrás do ray-ban
jazem molhados dois olhos
pregados por um fio de esperança roubado
de sentimentos que não podiam esperar





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você gira o revólver sobre a mesa num  jogo sádico e o cano de grosso calibre acaba sempre apontado para o meio da minha testa. bem no meio dos meus dois olhos vazados. eles saíram de órbita muito antes da primeira ameaça. por isso eu só olho pra frente. eu nem reajo. você não sabe, mas eu nem vejo se você se diverte ou se sofre com isso. meus dois olhos fugiram muito antes da primeira ameaça.


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