Visto do chão, você parecia ainda mais esquisitão. Meio patético com seus meiões pretos e seu enorme headphone, se balançando desajeitado embalado por algum som sessentista. Eu me divertia te observando totalmente alheio à minha presença e apenas inalava alguns centímetros cúbicos de ar, poeira, ácaros, germes e bactérias mutantes que alegremente coabitavam aquela pequena comunidade biológica você chamava de lar. Você se virou e resmungou alguma coisa sobre redecorar. De primeira não entendi bem onde você queria chegar com aquele papo. Redecorar. Tudo já estava, havia tempos, na mais perfeita desordem. Não convém mudar certas coisas de lugar. É, certas coisas são imutáveis e a gente simplesmente tem que aprender a conviver com elas - e guardar uma dose providencial de penicilina no fundo de alguma gaveta. É claro que aproveitei a deixa pra reclamar da geladeira, mesmo sabendo e mais uma vez sublinhando, que você jamais se livraria dela - você não poderia dormir sem aquele barulho infernal que ela faz. E da incômoda e insalubre inversão de cômodos que sei lá por que tinha acontecido no seu apartamento. Cozinha não é lugar de dormir. Mas é o seu bunker e ele só poderia ser assim do jeito que é. Um caos, esquisitão e divertido. Tipo você, que se balançava com seu headphone e sua indefectível indumentária acrescida de meiões por conta do inverno. De repente eu entendi que o papo de redecorar era uma tentativa de me agradar. Logo, você não estava alheio à minha presença - você simplesmente não sabia "onde colocar as mãos", ou algo assim. Quer saber? Ali do chão, no meio da bagunça que invariavelmente nos cerca, eu percebi que não precisava mesmo de nada pra amar você. E que algumas coisas são imutáveis e inofensivas. A gente só tem que aprender a conviver com elas e manter uma dose de penicilina no fundo de alguma gaveta. A gente podia tentar. E talvez fabricar penicilina. Você sabia que ela é obtida a partir de um fungo, do bolor do pão? Pode crer, a gente tem tudo pra dar certo.

Antônio LaCarne  – (2 de novembro de 2011 às 15:09)  

simplesmente encantado com o conteúdo do seu blog. já sigo com louvor e realmente esses textos saltam aos olhos. parabéns.

Wanessa Rudmer  – (3 de novembro de 2011 às 12:54)  

Que bacana isso! Retribui a visita e gostei muito do que vi. Valeu! Beijo

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